Ontem publicamos o release de encerramento do XX Congresso Brasileiro de Arquitetos, que aconteceu em Fortaleza, CE, de 22 a 25 deste mês de abril. Além das inúmeras atividades realizadas no Congresso - mesas redondas, palestras, conversas, minicursos, etc. - um dos resultados deste encontro que reuniu arquitetos e urbanistas de todo o país foi a elaboração de uma carta, a Carta de Fortaleza, que, como explicitado no título acima, consiste em uma agenda arquitetônica e urbanística que leva em consideração temas como habitação, direito à cidade, mobilidade urbana, planejamento, gestão das cidades, dentre outros.
Julgando de extrema importância que esta agenda seja divulgada e se torne de conhecimento do maior público possível, publicamos a seguir a Carta de Fortaleza na íntegra:
CARTA DE FORTALEZA: Uma agenda sobre arquitetura e desenvolvimento urbano
Os arquitetos e urbanistas brasileiros, reunidos em Fortaleza, Ceará, por ocasião do XX Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado nos dias 22 a 25 de abril de 2014, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), entidade de representação de arquitetos e urbanistas brasileiros, com noventa e três anos de história e constituída em todos os Estados da Federação, reiteram o seu compromisso histórico com a democracia, a cultura, o desenvolvimento nacional e o bem-estar do povo brasileiro – ao mesmo tempo em que reafirmam os valores da arquitetura e do urbanismo como instrumentos para se alcançar tais objetivos bem como para a qualificação do espaço das cidades e do território nacional. Em um cenário de intensa urbanização, onde 85% dos 200 milhões de habitantes residem em centros urbanos, ampliam-se os desafios para os 110 mil arquitetos e urbanistas envolvidos com a promoção do espaço construído brasileiro.
O XX Congresso Brasileiro de Arquitetos considera que:
O sistema urbano nacional apresenta-se como um riquíssimo patrimônio produzido pelo esforço e possibilidades do povo brasileiro. Suas preexistências ambientais e culturais e paisagisticas precisam ser reconhecidas e valorizadas. Suas dimensões históricas, econômicas, sociais e políticas são bases fundamentais e indispensáveis para o desenvolvimento do país.
O desenvolvimento da nação e o desenvolvimento urbano são processos interdependentes. As ações sobre a cidade não podem ser isoladas já que têm consequências sobre diversos aspectos da vida social em suas diferentes escalas.
A cidade é o lugar privilegiado do conhecimento e da inovação no mundo contemporâneo. Cada cidade é única. Embora detenham características e problemas em comum suas especificidades devem ser valorizadas.
O Brasil urbano apresenta um elevado passivo socioambiental e urbanístico cujo enfrentamento é prioritário para o desenvolvimento nacional. As cidades possuem condições precárias de saneamento, os seus sistemas hídricos se encontram fortemente comprometidos, o lixo não tem recebido a destinação adequada, o seu parque habitacional apresenta recariedades e um expressivo déficit qualitativo, os seus sistemas de mobilidade se encontram esgotados.
As cidades brasileiras demandam a implementação de políticas públicas integradas e participativas que garantam o direito à cidade, reconheçam as preexistências da natureza e da cultura e preservem o ambiente para as gerações futuras.
O Centro das cidades representa o território da cidadania, símbolo do espaço democrático e lugar de expressão da diversidade. Os centros precisam ser cuidados e valorizados permanentemente.
A desejada vitalidade do espaço urbano como lugar do encontro, essência das cidades, é determinada pela sua diversidade funcional em relação ao desenvolvimento econômico e sociocultural e pela adequada composição das construções em sua relação com as áreas públicas.
A gestão do uso, a ocupação e parcelamento do solo são elementos definidores do espaço urbano e, por isso, uma prerrogativa do Estado que deve ser preservada em função do interesse público e, portanto, não pode ser terceirizada.
Os sistemas de planejamento e projeto estão debilitados ou desconstruídos nos âmbitos federal, estadual e municipal. A má gestão de cidades e a falta de transparência levam ao improviso e a privilégios na promoção de obras públicas, fatores agravantes para a baixa qualidade construtiva, o alto custo das obras e a indução de reajustes e superfaturamentos.
A falta de planejamento democrático e participativo, em detrimento cidadania, concentra as decisões sobre a cidade ao arbítrio do poder executivo, ao tempo em que sobrevaloriza o papel da iniciativa privada na definição da forma urbana.
As regiões metropolitanas lugar de maior dinamismo econômico demandam estatuto próprio e de instancias de gestão compartilhadas entre estado, município e sociedade civil para a resolução de problemas em comum relacionados, por exemplo, à mobilidade, ao uso do solo, à habitação, ao saneamento, à saúde e à educação.
As cidades brasileiras devem assumir a capacidade de se organizar para prevenir adversidades e desastres ambientais urbanas provocados pelas mudanças climáticas e pelos efeitos predatórios de ocupações incompatíveis com os geográficos.
A construção de uma cidade inclusiva, participativa, equitativa, integrada e digna inicia-se na formação e educação dos habitantes, nos princípios de cidadania, no sentimento de pertencimento a uma comunidade e nos valores do bem estar geral com o objetivo central para o desenvolvimento social e urbano das nossas cidades.
O atual modelo de construção das cidades tem se apresentado insustentável. Uma mudança de paradigmas se torna necessária para enfrentar tempos de extrema complexidade.
O paradigma de desenvolvimento do mundo globalizado, baseado exclusivamente na economia de mercado, tem provocado distorções que se manifestam na estrutura das cidades, desvalorizando-as e aprofundando as desigualdades sociais.
Sobre Habitação e o Direito à Cidade, o XX Congresso Brasileiro de Arquitetos afirma que:
O Brasil democrático pressupõe a implementação de uma Política Habitacional que tenha como fundamentação a garantia do pleno Direito à Cidade a todo o cidadão.
Uma Política de Habitação democrática e urbanisticamente qualificadora há de prever o aproveitamento das áreas urbanas consolidadas, com oferta de variedades tipológicas, variedade de usos para além do estritamente habitacional e atendimento às diferentes faixas de renda, com perspectiva de viabilização de cidades compactas rompendo com o espraiamento.
O atendimento à demanda habitacional deve estar em sintonia com a adoção de políticas de mobilidade e do uso do solo que impeçam a expansão predatória das cidades. Programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida, não devem ser fator de estimulo ao espraiamento predatório das cidades.
A demanda por habitação exige variados modos de produção habitacional que possibilitem às famílias, especialmente às mais pobres, a decisão de onde, como e em que condições construirão ou comprarão a sua moradia através de um Programa de Universalização do Crédito Imobiliário.
A cidade representada pelas favelas e pelos loteamentos populares constitui um patrimônio urbano e cultural que demanda urbanização, qualificação e regularização fundiária adequadas a estas comunidades urbanas.
A superação da crise de habitação deve contemplar uma Meta Nacional de Urbanização dos assentamentos populares – favelas e loteamentos – acompanhada pela universalização dos serviços públicos e equipamentos sociais de qualidade, sublinhando-se as responsabilidades constitucionais dos municípios quanto ao uso e ocupação do solo urbano.
Sobre os serviços públicos e a mobilidade urbana, o XX Congresso Brasileiro de Arquitetos afirma que:
A equidade no acesso e usufruto da cidade é essencial para a vida urbana e para a democracia, com a universalização dos serviços públicos a toda a população em condições adequadas à nossa contemporaneidade.
A cidade deve assegurar uma multiplicidade de modais de transporte, inclusive, com o investimento no espaço publico para pedestres e a implantação de ciclovias. As metrópoles e as grandes cidades brasileiras demandam a implementação de políticas que priorizem o transporte público de alta capacidade – metrô, ferrovia urbana e hidrovia – integrante de rede intermodal que atenda aos deslocamentos impositivos e à diversificação de motivações, característica da contemporaneidade.
Pedestre antes que carro; calçada antes que rua; espaços públicos antes que obras de trânsito; transporte coletivo antes que o individual; transporte público antes que o privado.
Os investimentos públicos em mobilidade devem estar condicionados à existência de Planos de Mobilidade Urbana e Metropolitana Integrados, que garantam eficiência e conforto para o cidadão usuário. As cidades brasileiras precisam de um Fundo Financiador de Estudos e Projetos pelos municípios.
Sobre o planejamento e a gestão das cidades, o XX Congresso Brasileiro de Arquitetos afirma que:
Cada cidade precisa ser permanentemente planejada e projetada. O desenho urbano é uma ferramenta para pensar soluções democraticamente escolhidas e que atendam as demandas sociais, econômicas e culturais no âmbito da construção dos espaço habitado.
Igualmente, é necessária a incorporação do Projeto e do Desenho do Espaço Urbano como instrumento indispensável à política urbana, inclusive nas definições dos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano, para além da formulação de diretrizes, índices e desejos, além da efetiva consideração ao Estatuto das Cidades.
As cidades e Regiões Metropolitanas brasileiras demandam a implantação de Sistemas de Planejamento Urbano e Metropolitano reconhecidos como Função de Estado, fazendo parte de um processo permanente de acompanhamento e gestão.
A participação cidadã na formulação e acompanhamento de planos e projetos, com a transformação dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais da Cidade em órgãos efetivos de deliberação, e um sistema de informações transparente e democrático.
Sobre o Projeto de Arquitetura e Urbanismo, o XX Congresso Brasileiro de Arquitetos afirma que:
Ao autor do projeto deve ser garantida a sua autoria e a sua participação em todas as etapas de elaboração e de desenvolvimento dos respectivos projetos, de forma a assegurar a integridade dos mesmos em todas as suas fases.
O concurso Público de Arquitetura e Urbanismo é a maneira mais democrática e transparente para a seleção técnica de projetos, devendo, portanto, ser obrigatória para a contratação de projetos de obras públicas.
Obras públicas devem ser licitadas ou financiadas somente a partir de Projeto Completo, asseguradas a independência e integralidade em relação à construção. A promiscuidade entre projeto e obra é danosa ao interesse coletivo. Quem projeta obra pública não constrói.
É necessário a garantia de recursos específicos para o custeio de Projetos Completos, considerando-os como investimento autônomo, dissociando-o dos orçamentos de obras, uma vez que o projeto é instrumento de qualificação dos investimentos e aplicação de recursos.
XX Congresso Brasileiro de Arquitetos. Fortaleza-CE, 25 de abril de 2014